Data: 18/08/2014
Autor(es): Agostinho Vieira – Blog Economia Verde

A ameaça feita pelo governo de São Paulo de ir à Justiça para garantir o direito à água do Rio Jaguari é mais uma prova de que na falta de pão, ou água, o melhor mesmo é armar o circo.  Enquanto palhaços e malabaristas estiverem desfilando pelo picadeiro, ninguém precisará se preocupar com explicações.  Muito menos as convincentes.  Basta dizer que está tudo sendo feito em nome do povo.

Neste caso específico, o tal povo estaria protegido pela lei 9.433, de 1997, que prevê que, em situações de escassez, o uso prioritário é para o abastecimento humano.  O princípio da lei está correto.  Errado é o uso político e eleitoral que está se fazendo dela.  O estresse hídrico da capital paulista é uma história muito antiga, mais antiga do que a poluição do Rio Tietê, que está prestes a completar um século de sujeira.

Não dá para dizer que o governador de plantão foi surpreendido com a situação de crise.  Não foi.  Talvez seja possível reclamar de São Pedro, que cancelou a garoa e antecipou a estiagem.  Mas até isso talvez pudesse ser previsto, por conta do agravamento das mudanças climáticas.  As causas da crise vão desde a baixa oferta de água por simples razões geográficas até a falta de saneamento.  Passando pelas ocupações irregulares, a poluição industrial, o enorme desperdício e tantas outras.

Para que a situação fosse diferente, seria preciso planejamento, gestão e uma boa dose de medidas difíceis.  Daquelas que um eventual governo tucano promete adotar se chegar à presidência.  Falar é sempre mais fácil do que fazer.  Na hora que a bica seca é mais simples comprar uma briga com o Rio e dizer que os adversários de Brasília são contra o povo.  Pura bravata.

Na verdade, esse drama de São Paulo serve como exemplo da situação muito mais difícil que ainda está por vir.  Em 2011, numa das várias reuniões preparatórias para a Rio+20, o governo da Alemanha organizou uma conferência internacional que recebeu o título de “The Water, Energy and Food Security Nexus”.  A ideia era discutir a interdependência entre água, energia e alimentos, além de servir como base para futuras estratégias do setor privado e dos governos.

O tema não foi exatamente um sucesso no evento da ONU do ano seguinte, mas passou a fazer parte da agenda de muitas empresas sérias ao redor do mundo.  E a razão é simples.  Dados das Nações Unidas indicam que, até 2030, teremos oito bilhões de habitantes no planeta, com um nível de consumo médio maior do que o atual.  Vamos precisar de um volume de água 30% maior, gerar 45% mais energia e produzir 50% mais alimentos.  Não é preciso ser um “Nobel” da matemática para saber que essa conta não fecha.  Para complicar um pouco mais a equação, hoje temos 1,5 bilhão de pessoas sem acesso à energia, 1,4 bilhão sem água e 850 milhões de famintos.

A relação entre esses três itens é tão substancial que não será mais possível olhá-los isoladamente.  Praticamente todas as fontes de energia dependem de água para serem produzidas.  Do mesmo modo, não é possível extrair, transportar, distribuir e tratar a água sem energia.  Assim como não se produz alimentos sem água e energia.  Quando o presidente Obama aposta no gás de xisto como fonte energética, ele reduz o custo e as emissões de carbono, porém gasta mais água.

A agricultura consome, em média, 70% da água doce disponível na Terra.  São 140 litros para produzir uma xícara de café, 120 litros para uma taça de vinho e 15 mil litros para obter um quilo de carne.  As produções mais modernas usam técnicas de gotejamento.  Economizam água, mas gastam energia.  Enquanto isso, entre 30% e 40% de toda a comida produzida é jogada no lixo nas diversas fases da cadeia.

As escolhas difíceis de hoje vão se tornar muito mais complicadas nos próximos 20 ou 30 anos.  É como se tivéssemos que juntar a Agência Nacional de Águas (ANA), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e mais o Ministério da Agricultura num organismo único, que analisasse as vantagens e as desvantagens de cada decisão.  Parece utópico, e é.  Mas algo parecido com isso precisará ser feito.

Neste cenário há duas boas notícias.  A primeira é que o desafio é mundial e, portanto, podemos aprender com os outros.  A segunda é que estamos no Brasil.  País que detém 20% da biodiversidade do planeta, 12% da água, uma matriz energética limpa e que produzirá 40% dos alimentos do mundo nos próximos 30 anos.  Agora é só a gente saber o que faz com tudo isso.

Enviado por Agostinho Vieira – 14. 8.2014 | 9h25m

Fonte: O Globo

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