Data: 04/09/2014
Autor(es): Amelia Gonzalez – Blog Nova Ética Social
Kiribati, país no Oceano Pacífico Cerca de 3.000 representantes de governos, sociedade civil e empresas do mundo todo estão desde segunda-feira (1º) reunidos em Apia, capital do estado independente de Samoa da Polinésia, numa conferência convocada pela ONU para debater o meio mais eficaz de apoiar os países-ilhas em desenvolvimento. A mais triste e mais verdadeira imagem feita para a situação vulnerável dessas nações diante do crescimento dos oceanos por conta das mudanças climáticas é a dos “canários em minas de carvão”. Diz-se que os mineiros no Reino Unido levavam com eles os pássaros engaiolados quando desciam às minas de carvão como uma espécie de indicador. Os canários são mais sensíveis aos gases tóxicos acumulados nas grutas: quando começavam a agonizar, era hora de os homens saírem dali porque o ar, em pouco tempo, iria ficar inviável também para eles.
Não é de hoje que essas pequenas nações pedem socorro. Samoa foi escolhida para sediar o encontro mundial porque, segundo a agência Angola Press, é a região do Pacífico que tem registrado taxas mais altas de perda de espécies num contexto global. Sob o lema “O desenvolvimento sustentável dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento, através de parcerias genuínas e duradouras”, a conferência poderá servir como um fórum para construir tais parcerias. Pelo menos é o que deseja o primeiro-ministro de Samoa Tuilaepa, Aiono Malielegaoi.
Foi ele quem usou a imagem dos canários para caracterizar sua terra. Num artigo publicado sexta-feira (29) no site do jornal britânico “The Guardian”, Malielegaoi diz esperar que a experiência de sua terra, juntamente com a das outras 51 pequenas ilhas em desenvolvimento do Caribe, do Pacífico e do Oceano Índico, possa sensibilizar os países ricos para lhes ajudar. Nova Zelândia, vizinha e colonizadora, parece já ter ouvido o apelo e desenvolve programas de educação em Samoa. Fico pensando se não será, justamente, para capacitar seus futuros hóspedes quando as coisas apertarem e eles precisarem abandonar o país.
Malielegaoi lembra em seu texto uma cena da passagem do secretário-geral da ONU Ban Ki-moon pela Ilha Kiribati, vizinha de Samoa, em 2011. O representante das Nações Unidas conversou com um menino que lhe disse que não conseguia dormir direito com medo de acordar afogado. É esse o maior medo dos habitantes dos países-ilha que estão vulneráveis ao crescimento dos oceanos. Ban Ki-moon encontrou, em seu quarto de hotel, um salva-vidas e descobriu que o acessório é quase obrigatório nas casas. Ficou sabendo ainda que o governo de Kiribati está comprando terras nas ilhas Fiji para realocar aqueles que tiverem que abandonar suas casas com a subida das águas.
O primeiro-ministro lembra ainda que os 52 países que atualmente estão nessa situação, como pedintes, foram excluídos do processo de industrialização no tempo em que foram colonizados. Assim mesmo, conseguiram investir em turismo responsável para os turistas mais exigentes que valorizam ilhas virgens e distantes. “O turismo é hoje a principal fonte de rendimento para a maioria dos estados oceânicos”, diz ele no texto. Malielegaoi cobra soluções para seus desafios, diz que tem esperança, e alerta: “Os grandes problemas das nossas pequenas ilhas mais cedo ou mais tarde vão afetar todos os países”.
Na abertura da Conferência, Ban Ki-moon deu força à apelação de Malielegaoi, pediu apoio à comunidade internacional. E lembrou que se os problemas desses pequenos países forem resolvidos será sinal de que o mundo conseguiu as ferramentas necessárias para um desenvolvimento sustentável global. Entre os desafios enfrentados por essas nações, segundo o site da ONU, estão os elevados custos do transporte e energia; a susceptibilidade aos desastres naturais e vulnerabilidade aos choques externos.
Num relatório divulgado sábado pelas Nações Unidas, antes do início da Conferência, é possível avaliar a situação vulnerável daqueles países. Uma em cada quatro pessoas estão vivendo abaixo da linha da pobreza, tem acesso limitado a serviços essenciais, como educação e saúde. Obesidade, diabetes e outras doenças não transmissíveis estão aumentando dia a dia.
“As economias estão mudando de sistemas tradicionais construídos sobre a troca de produtos para aqueles impulsionados pelo mercado, somente à base de dinheiro. Os jovens estão migrando de suas aldeias para encontrar empregos nas cidades e no exterior, deixando as mulheres, os muito velhos e os muito jovens para trás; sistemas familiares tradicionais e de proteção social estão em declínio. A mudança climática ameaça a produção agrícola e os meios de vida tradicionais, além de intensificar o impacto dos desastres”, diz o relatório.
Essa realidade mostra, segundo declaração do presidente das Ilhas Seychelles, James Michel, que os interesses das grandes empresas dominaram a cena durante muito tempo naquela região. Michel subiu o tom na cobrança durante seu discurso na abertura da Conferência: “É a hora de reconhecermos a mudança climática como ela é: um crime coletivo contra a humanidade, que rouba da ilha-nação seu direito de existir“. Michel lembrou ainda que em janeiro desse ano recebeu convidados da União Europeia para a Conferência da Economia Azul, também capitaneada pela ONU, cujo objetivo era debater a necessidade de acelerar a capacidade de os países-ilhas produzirem alimento e energia, diversificar sua economia. “Mas, para conseguir isso, precisamos de pesquisa e transferência de tecnologia “, afirmou ele.
Na conferência da Economia Azul (uma espécie de réplica social da Economia Verde, expressão criada durante a Rio+20), Michel lembrou que 70% do planeta são cobertos pelos oceanos e que 90% dos bens comercializados são conduzidos por mar. São números suficientemente robustos para capturar a atenção do mundo dos negócios.
No dia 23 de setembro, em Nova York, antes da Assembleia Geral da ONU que vai começar no dia seguinte, líderes mundiais e empresários estarão reunidos, a pedido de Ban Ki-moon, para debater as melhores práticas de enfrentar as mudanças climáticas em todo o mundo. É uma espécie de preparação para a próxima COP (Conferência das Partes sobre Meio Ambiente) que vai acontecer ano que vem em Paris, onde se espera que saia o acordo global para baixar as emissões. Não acredito que isso vá acontecer, mas como não sou especialista, fui buscar nos livros alguma opinião a respeito. Em “Sistema Internacional de Hegemonia Conservadora” (Editora AnnaBlume), Eduardo Viola, Matías Franchini e Thais Lemos Ribeiro acreditam que a transição mundial para uma economia de baixo carbono será muito lenta:
“Um dos seus principais instrumentos internacionais será o estabelecimento de barreiras ao comércio de produtos intensivos em carbono. No caso da Rússia e da Índia, a grande maioria dos setores estaria ameaçada”.
Os países-ilha em desenvolvimento, reunidos na Conferência de Samoa que termina amanhã, claramente não têm tempo para esperar que os ricos resolvam o que vão fazer diante das ameaças aos seus cofres. Por isso estão investindo em parceiros. A torcida é para que essas parcerias não criem ali mais um inesgotável rio de dívidas com as quais eles terão que se ver mais adiante… além das ameaças climáticas.
Amelia Gonzalez é jornalista, editou o caderno Razão Social, no jornal O Globo, durante nove anos, e nunca mais parou de pensar, estudar, debater e atualizar o tema da sustentabilidade, da necessidade de se rever o nosso modelo de civilização. Em pauta, questões ligadas à economia, ao meio ambiente, à sociedade.
Quarta-feira, 03/09/2014, às 17:48, por Amelia Gonzalez
Fonte: G1.com.br
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